Aos meus amigos e amigas,
Fiz um malabarismo na agenda, pensando em elaborar minha despedida de Robinson e Miriam. Chegando no Recife, hoje(29/02/2012) muito cedo, fui Invadido por vários sentimento: saudade, dúvidas, indignação, misericórdia, esperança, desafio. Chorei outra vez. Estou marcado por uma dor aguda, como não experimentada antes. Talvez, um conjunto de muitas variáveis – a preciosidade dos que se foram? os cabelos brancos e um coração mais sensível? Minhas transições existencial ? Estou bem – tudo indica – aparentemente, sendo humanizado pela graça de Deus.
De qualquer forma desejei compartilhar com os meus amigos e amigas as minhas lágrimas visitada pela saudade e perplexidade diante das mãos invisíveis da maldade. O texto que segue é uma tentativa de sistematização para minha terapia e elaboração desse meu momento. E, como estou socializando com amigos e amigas, sinto-me na liberdade de expressá-lo livremente.
Que o Espírito Santo nos console, o Jesus Cristo de Nazaré nos inspire e o Deus da vida nos vitalize de amor por todas as mulheres, crianças, adolescentes, jovens e homens de todo o mundo.
VIOLÊNCIA INESPERADA EM MEIO À DOCE EXISTÊNCIA HUMANA
Meu primeiro contato com o Robinson foi na rodoviária de Fortaleza-CE. Ainda jovem, boa saúde; por opção, Robinson viajava de semi-leito. Ele era obreiro da Aliança Bíblica Universitária (ABU) e ficaria hospedado na casa de meus pais. Além de fazer seu trabalho de discipulado de estudantes universitários, de quebra, pregaria na pequena Igreja de Cristo do antigo bairro "Campo do Pio". Era um bairro de periferia. O velho Pr. João Queiroz tinha dessas - gostava de dar oportunidade à juventude. Robinson já houvera pregado em nossa igreja nos meados da Década de 60, mas não tenho a menor lembrança deste momento.
Não há como esquecer o Robinson, magricelo, bem arrumado, óculos de armação preta, duas valisas nas mãos - uma para suas roupas, a outra para carregar os livros. Não se tratavam de qualquer livro. Mesmo que Robinson fizesse da venda dos livros um tipo de suporte para os gastos com o seu ministério, cada livro era meticulosamente selecionado, a fim de propiciar a formação de uma geração de estudantes evangélicos, vivendo o suposto dilema entre a fé e a ciência. Tentei ser hospitaleiro e solícito na recepção. Procurei pegar uma das valisas, curiosamente a mais pesada. Sempre repleto de humor inteligente Robinson interpelou - "você é muito pequeno, deixa essa comigo". A valisa das roupas realmente era bastante leve. Naquela idade todos os acessórios são mínimos - qualquer pequena valisa suporta tudo o que pomos na bagagem da vida. Quando vamos na grande viagem, nem valisa levamos. Conosco vai somente o nosso ser mais sublime . É dele que eu tenho saudades. Saudade do abraço acolhedor, do olhar firme e taciturno, quando indignado com a gente. Tenho saudades do Robinson "brigão", e comigo, quando precisou exortar - chamava de "meu irmãozinho". Vou sentir falta de sua sabedoria. Foi o Robinson quem primeiro corrigiu meu texto para o Congresso Nordestino de Evangelização - 1988. Nas palestras básicas, ele estava na abertura do Congresso, eu no encerramento. Robinson, pincelou até discretas cacofonias de minhas prosas e versos. Em nossas discordâncias, eu assumia apenas o papel de perguntar insinuando a minha forma dissonante sobre algum tema. A relação catedrático - discípulo, talvez tenha gerado em mim essa atitude, que foi se fortalecendo ainda mais com a investidura do episcopado.
Há poucos dias estivemos em Fortaleza-Ce, fazendo uma "dobradinha" sobre Teologia da Missão Integral, num curso de Pós-graduação da Faculdade Unida & Igreja de Cristo. Bebemos cajuína, comemos tilápia assada na brasa com baião de dois. Ironicamente, a sobremesa foi rapadura, tão tenaz quanto todas as tragédias da vida em meio ao doce da existência humana.
Ai! Ai ! Que saudades, da querida Miriam, minha colega de trabalho na Visão Mundial, na Década de 80. Um doce em pessoa, um poço de ternura. Vivia uma transpiração permanente da graça e bondade de Deus. Tinha um útero fértil no cérebro. Acolheu Dudu como se tivesse vindo de outras entranhas para além de úteros naturais. Exerceu sua vocação visitando comunidades pobres e tendo os pobres como visitas nobres em sua sala e cozinha. A mesa sempre singela transmitia a elaboração de uma arquitetura mental que fazia dos utensílios da cozinha, pamonhas e tapiocas uma expressão de amor acolhedor. Vi casados na mesma mesa, sabedoria e a candura. Numa dessas raras oportunidades a Dinha e eu fomos à casa de Miriam e Robinson, eu morava no Recife-PE, estavam à mesa três amiguinhos: Dudu, Carlos Filho e Kelvinha.
Há muito tempo não vejo "Dudu" - o menino que ficou guardado em minha memória. O Eduardo, ser humano que foi se compondo e de-compondo, conheci por informações raríssimas do meu amigo Robinson. As mãos que praticaram tamanha tragédia, mesmo que sendo as mesmas possuídas por Eduardo, nem mesmo Robinson e Miriam imaginaram existir. Essas mãos invisiveis da violencia, dos negócios escusos, do trafico de entorpecentes tem gerado tragédias sem fim. Essas mãos possuem braços controladores que não respeitam os úteros mais sublimes, os cérebos inusitados. As salas e cozinhas mais afáveis. Os utensílios de mesa reduzidos a instrumentos de morte.
Essas mãos invisíveis e perversas me espantam e provocam a minha indignação. Não há como nesse momento dissociá-las das mãos do cidadão Eduardo.
Todavia, estou fazendo um exercício de coração para guardar na memória a figura do "Dudu", amigo da Kelvinha e Carlos Filho, na Década de 80.
Minhas lágrimas e dores são muito estranhas nesse momento. De todas as mortes, que tiraram pedaços de mim - essas "3 mortes" - tiraram pérolas, uma delas ainda confusa em minha memória.
Robinson e Miriam se foram e deixaram esse sabor intenso da saudade e missão precocimente cumprida.
O menino "Dudu" continua morrendo, como muitos outros, engalfinhados por esse mundo cruel e violento, capaz de catalisar processos malignos e ações perversas de morte.
Essas mãos invisíveis, mas tão reais, tem vitimado muitos meninos e meninas, famílias inteiras - dessa vez - atingiu gente que sempre morou na cozinha de nossa alma.
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