segunda-feira, 5 de março de 2012

EXÉQUIAS DO BISPO ROBINSON (João 13:1-7)


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EXÉQUIAS DO BISPO ROBINSON
(João 13:1-7)
Depois de ter servido por quase 30 anos ininterruptos no Corpo de Bombeiros do Estado de Pernambuco, saí de lá com o que me parecia duas certezas inabaláveis. A primeira foi de que já havia visto todo tipo de horror que poderia ser produzido pelo ser humano em seu estado de miséria longe de Deus; a segunda foi de que nada mais abalaria minha sensibilidade. Aqueles anos todos de serviço ativo haviam criado no meu coração uma espécie de carapaça, de couro grosso, impossível de ser rompido por maior que fosse o impacto emocional vivido daí em diante.
Mas na noite deste último domingo descobri meio desesperado que nem uma coisa nem outra: eu acabara de ver um horror mais horrível do que todos os dos meus tempos da ativa e fui dominado por uma comoção tão forte que produziu um peso doído no meu coração como nunca antes havia sentido e que teimou em lá permanecer por dias me trazendo um sofrimento absolutamente desconhecido e prostrante. A minha reabilitação só aconteceu depois que, em lágrimas, supliquei ao Espírito Santo que me libertasse dessa opressão para que eu pudesse ao menos dormir. E confesso que essa graça me foi dada na mesma noite em que, em vigília junto com as ovelhas que o Senhor me deu para cuidar, dormi um sono profundo e reparador.
É justamente nessas ocasiões, amigos e irmãos, que um questionamento poderoso e perturbador principia a martelar nossa mente como se fora um martelete rompedor de rochas graníticas, sem dar sossego nem descanso: Por quê isso veio a acontecer? Por quê essa pessoa e não aquela?
Apesar da lógica da pergunta e de sua conseqüente inevitabilidade após desastres para nós inexplicáveis, a procura de sua resposta nos lança em perigoso e quase sempre fatal labirinto em que as ciências humanas se perdem na sua vã tentativa de compreender e explicar a mente divina a partir da perspectiva do ser humano e de sua experiência tangível.
Na sua loucura presunçosa o homem questiona Deus sem acanhamento ou temor. Jó incorreu nesse erro elementar e quando o Senhor começa a responde-lo no capítulo 38 de seu livro, já na primeira pergunta, Jó capitulou fragorosamente derrotado: “Onde estavas tu, pergunta o Senhor, enquanto eu criava o Universo e os anjos se alegravam diante do meu extraordinário poder?”
Sim, esta pergunta ribomba qual artefato poderoso nos nossos ouvidos até o dia de hoje. De fato, que sabemos da vida? Que sabemos do futuro? Só conseguimos enxergar e com muita dificuldade até um palmo além dos nossos narizes e, mesmo assim, ousamos questionar o Eterno, o Ser sem princípio nem fim? Não seria muito melhor o silêncio respeitoso e a obediência resultante do seu temor?
Essa foi a experiência de Abraão. Amou profundamente Isaque, o filho de sua velhice, e quando Deus exigiu que o imolasse em sacrifício cruento, duvido muito que esses questionamentos não povoassem sua mente de pai amoroso. Mas em nenhum momento verbalizou suas dores, suas dúvidas, suas possíveis amarguras, mas simplesmente avançou pela fé. Afinal, havia uma promessa de quem lhe pedia o sacrifício, de que aquele filho seria o seu herdeiro, e isso lhe foi o bastante para responder a inquietante pergunta do menino que seguia junto a ele para o local do sacrifício: “Pai, aqui temos a lenha e o fogo. Mas onde está o cordeiro a ser imolado? Sua resposta ecoa pelos séculos como um libelo acusatório para nossa tantas vezes fé infantil: “Deus proverá, meu filho”.
Sim, Deus proverá! O Senhor da vida, o Deus das imorredouras e infalíveis promessas jamais falhará. Nunca é demais a lembrança de que servimos ao mesmo Deus de Abraão, Isaque e Jacó. O Senhor, o Deus Todo poderoso que levanta a quem quer e que destrói seus inimigos com o simples sopro de sua boca santa é o mesmo que levantou nosso querido Bispo Robinson Cavalcanti para conduzir-nos com mão firme em meio ao mar sempre bravio das relações inter-pessoais, ao sempre tempestuoso oceano das heresias, ao sempre complicado ambiente eclesial.
Foi humano na mais contundente expressão gramatical. Riu e chorou; teve altos e baixos; acertou e errou. Mas jamais se afastou da sã doutrina. Jamais fez concessões à ortodoxia, à piedade, à honestidade. Jamais fugiu do seu dom de profeta. E como tal honrou a memória de Zacarias, filho de Baraquias, que o Senhor Jesus denunciou ter sido assassinado dentro do próprio Templo. Ou a memória do profeta João Batista, que foi assassinado por não ter medo de abrir a boca e denunciar os poderosos do seu tempo. Quem, por acaso, não é aqui capaz de apontar inúmeros exemplos de denúncias de poderosos, sejam eles políticos ou religiosos, feitos por D. Robinson?
É claro que esta circunstância o fazia extremamente vulnerável e ele não poderia levar a bom termo essa hercúlea tarefa sozinho. Sempre houve, há e haverá sinistros seres de malignidade tentando abortar o trabalho de um homem de Deus. Por isso o Espírito Santo levantou-lhe uma extraordinária ajudadora. Refiro-me a Miriam, sua dedicada esposa. A mulher de um clérigo tanto pode ser uma bênção como uma maldição na sua vida de reverendo. Miriam foi o maior presente que um pastor poderia receber das mãos de Deus. Tornou-se entre nós proverbial o tempo gasto por ela diariamente em oração tanto a sós, como com sua parceira de oração, quanto em reuniões sob sua liderança. E assim ela foi um poderoso suporte espiritual na vida do seu marido. Discreta, amável, acolhedora e sábia conselheira foi fiel até a morte e já recebeu do Senhor Jesus a coroa da vida prometida no livro do Apocalipse. Quanta falta ela nos fará e só nos resta suplicar encarecidamente ao Espírito de Deus que nos dê uma nova Miriam.
D. Robinson amava muito sua esposa. Mas nada se compara a seu amor avassalador pelo Evangelho. Por ter sido seu amigo por longos 52 anos, conheci como poucos esse amor entranhado pelo serviço de Cristo. Por amor a ele renunciou a uma confortável aposentadoria para não fazer nada, além de escrever e dar conferências nos quatro cantos do mundo, o que era o seu hoby. Pagava do seu próprio bolso para ser bispo, pois a minguada probenda recebida de uma pobre diocese nunca cobria as despesas no fim do mês. Trabalhava por pura paixão ao seu Senhor. E trabalhava mesmo. A sua diocese do tamanho do nordeste, estendeu-se até o país inteiro e chegou até uma área da América do Norte. Não há uma única paróquia, missão ou ponto missionário que não tenha recebido sua visita. Enquanto isso, produzia furiosamente textos diocesanos e colaborações para publicações e revistas de peso nacional, como a Ultimato, de quem era o mais antigo colaborador. E no tempo restante, escrevia livros para a Igreja Cristã. Anos e anos nessa faina estressante cobraram um preço alto na sua saúde física. Muitas vezes foi obrigado pelo médico a parar, e então ele se refugiava na sua querida Paripueira. E enquanto descansava escrevia, escrevia, escrevia… Daí não ser difícil compreender porque amava tanto esta diocese. Na sua luta renhida para manter-se fiel ao anglicanismo histórico, ortodoxo e missionário, entristecia-se profundamente com o vacilante apoio internacional. Por fim, partiu para a eternidade, para seu indescritível encontro com seu Senhor, sem ter visto a sua obra consolidada de uma diocese que fosse um bastião contra o legalismo, o liberalismo e outros ismos heréticos.
E agora? Agora estamos nas mãos de Deus. O Bispo sempre disse que esta diocese era o que era com ele ou sem ele. Mostraremos ao mundo agora o quanto isso era verdade. Estamos mais unidos que nunca em torno do sonho dele de construir uma diocese que honre o legado dos nossos primeiros bispos Kinsolving e Morris. O que nós pregamos e cremos, é o que eles pregavam e criam; e o que eles criam é aquilo que os apóstolos também criam e pregavam.
Pregar o Evangelho para qualquer seguidor de Jesus Cristo torna-se um desejo ardente porquê o Espírito de Deus nos trás uma mensagem absolutamente singular onde os contrastes são avassaladores. Por exemplo, choramos as mortes de D. Robinson e Miriam, mas são tantas e tão maravilhosas as promessas do Evangelho para aquele que parte seguro na mão de Cristo que, na verdade, são eles próprios os bem-aventurados daqui. Como é maravilhoso ouvir o conforto do Senhor nos dizendo hoje como outrora: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá.” (Jo. 11:25) “Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim, tem a vida eterna.” (Jo. 6:47) “Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem, viverão.” (Jo. 5:25) Esta a razão porquê Paulo Apóstolo num arroubo maravilhoso cheio de inspiração, gritou a plenos pulmões: “Tragada foi a morte pela vitória!” (1Co. 15:54b) Sim, a ressurreição de Jesus Cristo é o selo de garantia de que nós vamos ser ressuscitados por Ele para nunca mais morrer. A palavra morte está definitivamente excluída do dicionário celestial e nós vamos nos reunir novamente com D. Robinson e Miriam num banquete festivo com a presença do próprio Jesus Cristo. E a novidade mais excelente, meu caro ouvinte, é que você também é convidado a participar dessa festa onde o dono dela faz questão de não excluir ninguém. No ingresso disponível para todos está escrito a exigência de participação: “Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa.” (At. 16:21) Adquira já e de graça este ingresso e participe conosco dessa festa de reencontro com o bispo, Miriam e Jesus Cristo.
Mas que dizer de Eduardo, este filho causador de tamanho desatino? Confesso, irmãos e amigos, que meu coração sangrando não teria nenhuma palavra para ele. Mas nessa manhã minha mulher segredou-me ter visto num sonho nesta madrugada o bispo e Miriam rindo felizes pela possibilidade de haver nele uma verdadeira conversão ao Senhor Jesus Cristo.
Por fim, não compreendemos o porquê dessa tragédia. Mas entendemos muito bem o que o Senhor Jesus está a nos dizer: “Mais tarde vocês entenderão.” Eu próprio estou ansioso para ver como o Senhor vai nos abençoar a partir desse fato tão triste. Sei muito bem que será assim porquê está escrito que “…todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.” (Rm. 8:28)
Vou agora pedir permissão para encerrar estas breves palavras esquecendo por um pouco que estamos na Quaresma a fim de que entoemos o grito de guerra de que tanto nosso bispo gostava.
Portanto, vamos na paz de Cristo. Sejamos fortes e corajosos no testemunho do Evangelho entre todas as pessoas. E sirvamos ao Senhor com alegria! No poder do Espírito Santo. Aleluia!
Sermão proferido no Oficio Fúnebre de D. Robinson e Mirian Cavalcanti pelo 
Rev. Luiz Souza de França, Pároco da Paróquia Anglicana do Consolador
Povoado de Pousada de Conde – Município de Conde – PB.
Paróquia Emanuel, 29 de fevereiro de 2012.

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