Recentemente a OAB manifestou-se sobre os Cursos de Graduação em Direito: consta ter reprovado 2/3 dos postulantes, egressos deles. Interessantíssimo isso – 2/3 dos Bacharéis em Direito, egressos de Universidades e Faculdades importantes do país, até podiam ser bons bacharéis, mas ainda não estavam prontos para começarem a ser bons advogados... Um bom advogado provavelmente tem um bom diploma na parede, mas ter um bom diploma na parede, parece, não significa já ser um bom advogado. Sequer ser um advogado...
Num outro contexto, fui levado a refletir sobre o fato de que um médico, para o vir a ser, deve cumprir uma enorme carga curricular, durante um longo tempo (mais do que os quatro anos de Teologia). Depois, disso, ainda, deve fazer residência. E depois disso, ainda, deve fazer especializações. Esborracha-se de estudar, se quer preparar-se para ser aquilo para o que considera ser sua vocação...
Um advogado, para o vir a ser, deve ser, primeiro, Bacharel em Direito, e depois, aprovado pela Ordem. Um médico, a seu tempo, deve cursar medicina, fazer residência, fazer especialização... A questão é: quatro anos de Teologia formam o quê? Bacharéis ou pastores?
Não se trata de uma questão periférica, mas central. A rigor, salvo melhor juízo, as igrejas batistas não precisam, necessariamente, que um “vocacionado” chegue a ser, primeiro, Bacharel em Teologia, para que depois, e só depois, seja “ordenado” pastor. Uma igreja local poderia providenciar a ordenação de um vocacionado não formado, digamos assim. E isso acontece. Entretanto, há comunidades que preferem reservar os procedimentos da ordenação a vocacionados que tenham, primeiro, lapidado sua vocação num Seminário. Algumas, parece, começam a desejar Mestres e Doutores.
E esse é o ponto: quando essa comunidade, zelosa, prefere ordenar somente candidatos depois de encaminhados a Seminários, e ainda somente depois de concluídos seus respectivos Cursos de Graduação em Teologia, essa comunidade está mandando o candidato estudar para ser o quê? Bacharel em Teologia? Ou Pastor? Por sua vez, quando o vocacionado sai do Seminário, ele sai o quê? Pastor? Ou Bacharel em Teologia?
O Seminário não pode ser um check-point. Tenho minhas dúvidas se um Seminário tem condições de formar “pastores”. Acredito que Seminários tenham condições de formar Bacharéis em Teologia. Todo pastor deveria, a meu ver, necessariamente, ser um Bacharel em Teologia, mas nem todo Bacharel em Teologia é ou se tornará um pastor. Há algo no Pastor que falta no Bacharel em Teologia, mas há algo no Bacharel em Teologia que é imprescindível ao Pastor. Eu acho. Um Bacharel em Teologia que não seja pastor me parece uma coisa possível e natural. Agora, um pastor que não seja Bacharel em Teologia não me soa bem, ainda que os haja e os tenha havido, e bons, dir-se-á...
Temos tido a experiência de formar cada vez mais Bacharéis em Teologia recém-saídos da adolescência – e o comportamento de alguns denuncia que ainda estão lá! Para um Bacharel em Teologia, essa tenra idade não é problema. Mas para um pastor... Penso que a demanda pastoral esteja além da capacidade de centros de formação: maturidade se ensina? experiência? espiritualidade? vocação? humanidade? Essas coisas, quero crer, não são ensinadas, mas apreendidas durante a vida... ou não. El Greco, para tornar-se El Greco, foi morar com Ticiano, e só saiu de lá quando começou, como previra o mestre renascentista, a lhe observar os erros do pincel...
Já Teologia, sim, se ensina, e todas as demais coisas relacionadas a um Curso de Bacharel em Teologia. Talvez, se tivéssemos a compreensão mais assentada, mais clara, melhor definida, de que cursos de Graduação em Teologia devem formar Bacharéis em Teologia (bons nisso, competentes nisso; que saibam transitar pelas ruas e vielas na História da Teologia; que degustem seus conceitos e, como abelhas, vomitem mel; que conheçam seus problemas e desafios; que saibam refletir a partir da Tradição e além dela; que saibam respeitar a História e contribuir para sua reconstrução ininterrupta; que saibam manejar adequadamente as línguas bíblicas e a própria Bíblia; que tenham intimidade com as Ciências Humanas naquilo que é incontornável para a reflexão teológica; que tenham as introduções mínimas às questões de prática pastoral [como os Bacharéis em Direito têm as de, por exemplo, Prática de Direito Penal] e administrativa [acaba de ser criada uma Faculdade de Teologia Umbandista, reconhecida pelo MEC, em que uma das disciplinas é Administração Templária]); assentada essa compreensão entre nós de que Cursos de Graduação em Teologia devem formar Bacharéis em Teologia, penso que as coisas caminhariam melhores.
Por que digo “as coisas caminhariam melhores”? Porque a situação em que se tratam os cursos de Graduação como lugares em que o vocacionado vai para se tornar pastor gera uma crise de identidade nesses cursos, que pensam poder fazer aquilo para o que somente a vida, abaixo de Deus, tem competência para realizar. Sim, sim, sou da opinião de que um pastor deve, obrigatoriamente, ser um Bacharel em Teologia. Não daria meu apêndice a ser operado por um primeiro-anista de medicina (salvo na guerra, ou em emergências, que as há!), e se minha casa pegar fogo, gostaria que o bombeiro que lá chegasse tivesse feito todos os cursos necessários para operar mangueira e hidrante, escada e machado... Gosto de pensar na figura de um pastor que, sendo o que é, um pastor, tem por trás de si a formação teológica indispensável para orientar o rebanho e dialogar com a comunidade. Menos do que isso penso que não é digno da tarefa que lhe cabe, respeitadas as opiniões próximo-montanistas... Os Cursos de Graduação em Teologia, portanto, devem ter, em última análise, e a meu juízo, a compreensão de que, de seus quadros discentes, sairão levas de vocacionados, que a partir daí, hão de continuar sua formação, prática e teórica, até a ordenação. Ao lado disso, gosto mais ainda de pensar que, enquanto esse vocacionado que lá na frente será pastor, e que começa a caminhar a longa jornada do preparo, por enquanto é ainda apenas um Bacharelando em Teologia, e enquanto tal deve estudar Teologia, ler Teologia, em sentido amplo, muito amplo, entendendo-se aí todo o cabedal de disciplinas indispensáveis ao grau que obterá. Os instrumentais teórico-práticos propriamente pastorais já devem, claro, ser introduzidos nessa fase – mas enquanto Bacharel, a ênfase deve ser a sua formação teológica.
Com isso deixaríamos de ter alguns problemas. Um deles seria a falsa idéia de que onde muito se estuda, pouco se forma em termos “espirituais”. Falsa inferência, algumas vezes com intenções não muito publicáveis nas entrelinhas. O estudo, o muito-estudo, nada tem de inadequado em relação à espiritualidade, salvo se isso que se chama espiritualidade é, antes, a repetição ladainhosa (permitam-me) de credos e dogmas não refletidos, recitados como novenas, que, contudo, criticamos em outros. Outra, a igualmente má idéia de que se é obrigado a estudar coisas – exegese, por exemplo – das quais um pastor pode prescindir (pasme-se, mas se ouve isso aqui e ali). Se é fato que um pastor, na prática, pode prescindir da exegese (assumindo o ônus disso, é claro), por outro lado, um Bacharel em Teologia não, esse deve dominar os rudimentos da disciplina. Outro, o enfrentamento incontornável da assunção da Teologia ao posto de Curso Reconhecido pelo Sistema Federal de Educação: Cursos de Graduação em Teologia formam Bacharéis em Teologia, profissionais de Teologia, os quais devem estar aptos, segundo a filosofia profissionalizante em voga, ao exercício das profissões relacionadas à carreira – seja o pastorado, seja qualquer outra, e há tantas...
Como um passo na formação do pastor, mas não “o” passo, os Cursos de Graduação em Teologia exerceriam mais eficientemente sua função. Talvez aí possamos começar a ver brotar, como há muito aguardamos, buquês de pensadores, teólogos, exegetas brasileiros. Se pastores brasileiros há, e quantos, bons e efetivamente eficientes, louváveis na sua história de cuidar de ovelhas, ainda precisamos construir espaços no âmbito da formação teológica batista que sejam, efetivamente, centros de formação de pensadores, de teólogos – que quando se tornarem pastores, unirão na mesma flor dois dos perfumes mais cheirosos e caros da Terra. A efetiva formação pastoral demandaria, assim, não apenas a formação teológica, mas especializações eminentemente pastorais, que não prescindem absolutamente de uma sólida base teológica sobre a qual se estabelecerá a formação do pastor... e da pastora.
Há muito que se fazer para tanto. Mas é preciso, antes, querer que o seja, e admitir que o caminho mais fácil nem sempre é o que garante a melhor chegada.
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