segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
O PACTO DE LAUSANNE
Nós, membros da Igreja de Jesus Cristo, procedentes de mais de 150 nações, participantes do Congresso Internacional de Evangelização Mundial, em Lausanne, louvamos a Deus por sua grande salvação, e regozijamo-nos com a comunhão que, por graça dele mesmo, podemos ter com ele e uns com os outros. Estamos profundamente tocados pelo que Deus vem fazendo em nossos dias, movidos ao arrependimento por nossos fracassos e desafiados pela tarefa inacabada da evangelização. Acreditamos que o evangelho são as boas novas de Deus para todo o mundo, e por sua graça, decidimo-nos a obedecer ao mandamento de Cristo de proclamá-lo a toda a humanidade e fazer discípulos de todas as nações. Desejamos, portanto, reafirmar a nossa fé e a nossa resolução, e tornar público o nosso pacto.
1. O Propósito de Deus
Afirmamos a nossa crença no único Deus eterno, Criador e Senhor do Mundo, Pai, Filho e Espírito Santo, que governa todas as coisas segundo o propósito da sua vontade. Ele tem chamado do mundo um povo para si, enviando-o novamente ao mundo como seus servos e testemunhas, para estender o seu reino, edificar o corpo de Cristo, e também para a glória do seu nome. Confessamos, envergonhados, que muitas vezes negamos o nosso chamado e falhamos em nossa missão, em razão de nos termos conformado ao mundo ou nos termos isolado demasiadamente. Contudo, regozijamo-nos com o fato de que, mesmo transportado em vasos de barro, o evangelho continua sendo um tesouro precioso. À tarefa de tornar esse tesouro conhecido, no poder do Espírito Santo, desejamos dedicar-nos novamente.
2. A Autoridade e o Poder da Bíblia
Afirmamos a inspiração divina, a veracidade e autoridade das Escrituras tanto do Velho como do Novo Testamento, em sua totalidade, como única Palavra de Deus escrita, sem erro em tudo o que ela afirma, e a única regra infalível de fé e prática. Também afirmamos o poder da Palavra de Deus para cumprir o seu propósito de salvação. A mensagem da Bíblia destina-se a toda a humanidade, pois a revelação de Deus em Cristo e na Escritura é imutável. Através dela o Espírito Santo fala ainda hoje. Ele ilumina as mentes do povo de Deus em toda cultura, de modo a perceberem a sua verdade, de maneira sempre nova, com os próprios olhos, e assim revela a toda a igreja uma porção cada vez maior da multiforme sabedoria de Deus.
3. A Unicidade e a Universalidade de Cristo
Afirmamos que há um só Salvador e um só evangelho, embora exista uma ampla variedade de maneiras de se realizar a obra de evangelização. Reconhecemos que todos os homens têm algum conhecimento de Deus através da revelação geral de Deus na natureza. Mas negamos que tal conhecimento possa salvar, pois os homens, por sua injustiça, suprimem a verdade. Também rejeitamos, como depreciativo de Cristo e do evangelho, todo e qualquer tipo de sincretismo ou de diálogo cujo pressuposto seja o de que Cristo fala igualmente através de todas as religiões e ideologias. Jesus Cristo, sendo ele próprio o único Deus-homem, que se ofereceu a si mesmo como único resgate pelos pecadores, é o único mediador entre Deus e os homems. Não existe nenhum outro nome pelo qual importa que sejamos salvos. Todos os homens estão perecendo por causa do pecado, mas Deus ama todos os homens, desejando que nenhum pereça, mas que todos se arrependam. Entretanto, os que rejeitam Cristo repudiam o gozo da salvação e condenam-se à separação eterna de Deus. Proclamar Jesus como "o Salvador do mundo" não é afirmar que todos os homens, automaticamente, ou ao final de tudo, serão salvos; e muito menos que todas as religiões ofereçam salvação em Cristo. Trata-se antes de proclamar o amor de Deus por um mundo de pecadores e convidar todos os homens a se entregarem a ele como Salvador e Senhor no sincero compromisso pessoal de arrependimento e fé. Jesus Cristo foi exaltado sobre todo e qualquer nome. Anelamos pelo dia em que todo joelho se dobrará diante dele e toda língua o confessará como Senhor.
4. A Natureza da Evangelização
Evangelizar é difundir as boas novas de que Jesus Cristo morreu por nossos pecados e ressuscitou segundo as Escrituras, e de que, como Senhor e Rei, ele agora oferece o perdão dos pecados e o dom libertador do Espírito a todos os que se arrependem e crêem. A nossa presença cristã no mundo é indispensável à evangelização, e o mesmo se dá com aquele tipo de diálogo cujo propósito é ouvir com sensibilidade, a fim de compreender. Mas a evangelização propriamente dita é a proclamação do Cristo bíblico e histórico como Salvador e Senhor, com o intuito de persuadir as pessoas a vir a ele pessoalmente e, assim, se reconciliarem com Deus. Ao fazermos o convite do evangelho, não temos o direito de esconder o custo do discipulado. Jesus ainda convida todos os que queiram segui-lo e negarem-se a si mesmos, tomarem a cruz e identificarem-se com a sua nova comunidade. Os resultados da evangelização incluem a obediência a Cristo, o ingresso em sua igreja e um serviço responsável no mundo.
5. A Responsabilidade Social Cristã
Afirmamos que Deus é o Criador e o Juiz de todos os homens. Portanto, devemos partilhar o seu interesse pela justiça e pela conciliação em toda a sociedade humana, e pela libertação dos homens de todo tipo de opressão. Porque a humanidade foi feita à imagem de Deus, toda pessoa, sem distinção de raça, religião, cor, cultura, classe social, sexo ou idade possui uma dignidade intrínseca em razão da qual deve ser respeitada e servida, e não explorada. Aqui também nos arrependemos de nossa negligência e de termos algumas vezes considerado a evangelização e a atividade social mutuamente exclusivas. Embora a reconciliação com o homem não seja reconciliação com Deus, nem a ação social evangelização, nem a libertação política salvação, afirmamos que a evangelização e o envolvimento sócio-político são ambos parte do nosso dever cristão. Pois ambos são necessárias expressões de nossas doutrinas acerca de Deus e do homem, de nosso amor por nosso próximo e de nossa obediência a Jesus Cristo. A mensagem da salvação implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão e de discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que existam. Quando as pessoas recebem Cristo, nascem de novo em seu reino e devem procurar não só evidenciar mas também divulgar a retidão do reino em meio a um mundo injusto. A salvação que alegamos possuir deve estar nos transformando na totalidade de nossas responsabilidades pessoais e sociais. A fé sem obras é morta.
6. A Igreja e a Evangelização
Afirmamos que Cristo envia o seu povo redimido ao mundo assim como o Pai o enviou, e que isso requer uma penetração de igual modo profunda e sacrificial. Precisamos deixar os nossos guetos eclesiásticos e penetrar na sociedade não-cristã. Na missão de serviço sacrificial da igreja a evangelização é primordial. A evangelização mundial requer que a igreja inteira leve o evangelho integral ao mundo todo. A igreja ocupa o ponto central do propósito divino para com o mundo, e é o agente que ele promoveu para difundir o evangelho. Mas uma igreja que pregue a Cruz deve, ela própria, ser marcada pela Cruz. Ela torna-se uma pedra de tropeço para a evangelização quando trai o evangelho ou quando lhe falta uma fé viva em Deus, um amor genuíno pelas pessoas, ou uma honestidade escrupulosa em todas as coisas, inclusive em promoção e finanças. A igreja é antes a comunidade do povo de Deus do que uma instituição, e não pode ser identificada com qualquer cultura em particular, nem com qualquer sistema social ou político, nem com ideologias humanas.
7. Cooperação na Evangelização
Afirmamos que é propósito de Deus haver na igreja uma unidade visível de pensamento quanto à verdade. A evangelização também nos convoca à unidade, porque o ser um só corpo reforça o nosso testemunho, assim como a nossa desunião enfraquece o nosso evangelho de reconciliação. Reconhecemos, entretanto, que a unidade organizacional pode tomar muitas formas e não ativa necessariamente a evangelização. Contudo, nós, que partilhamos a mesma fé bíblica, devemos estar intimamente unidos na comunhão uns com os outros, nas obras e no testemunho. Confessamos que o nosso testemunho, algumas vezes, tem sido manchado por pecaminoso individualismo e desnecessária duplicação de esforço. Empenhamo-nos por encontrar uma unidade mais profunda na verdade, na adoração, na santidade e na missão. Instamos para que se apresse o desenvolvimento de uma cooperação regional e funcional para maior amplitude da missão da igreja, para o planejamento estratégico, para o encorajamento mútuo, e para o compartilhamento de recursos e de experiências.
8. Esforço Conjugado de Igrejas na Evangelização
Regozijamo-nos com o alvorecer de uma nova era missionária. O papel dominante das missões ocidentais está desaparecendo rapidamente. Deus está levantando das igrejas mais jovens um grande e novo recurso para a evangelização mundial, demonstrando assim que a responsabilidade de evangelizar pertence a todo o corpo de Cristo. Todas as igrejas, portando, devem perguntar a Deus, e a si próprias, o que deveriam estar fazendo tanto para alcançar suas próprias áreas como para enviar missionários a outras partes do mundo. Deve ser permanente o processo de reavaliação da nossa responsabilidade e atuação missionária. Assim, haverá um crescente esforço conjugado pelas igrejas, o que revelará com maior clareza o caráter universal da igreja de Cristo. Também agradecemos a Deus pela existência de instituições que laboram na tradução da Bíblia, na educação teológica, no uso dos meios de comunicação de massa, na literatura cristã, na evangelização, em missões, no avivamento de igrejas e em outros campos especializados. Elas também devem empenhar-se em constante auto-exame que as levem a uma avaliação correta de sua efetividade como parte da missão da igreja.
9. Urgência da Tarefa Evangelística
Mais de dois bilhões e setecentos milhões de pessoas, ou seja, mais de dois terços da humanidade, ainda estão por serem evangelizadas. Causa-nos vergonha ver tanta gente esquecida; continua sendo uma reprimenda para nós e para toda a igreja. Existe agora, entretanto, em muitas partes do mundo, uma receptividade sem precedentes ao Senhor Jesus Cristo. Estamos convencidos de que esta é a ocasião para que as igrejas e as instituições para-eclesiásticas orem com seriedade pela salvação dos não-alcançados e se lancem em novos esforços para realizarem a evangelização mundial. A redução de missionários estrangeiros e de dinheiro num país evangelizado algumas vezes talvez seja necessária para facilitar o crescimento da igreja nacional em autonomia, e para liberar recursos para áreas ainda não evangelizadas. Deve haver um fluxo cada vez mais livre de missionários entre os seis continentes num espírito de abnegação e prontidão em servir. O alvo deve ser o de conseguir por todos os meios possíveis e no menor espaço de tempo, que toda pessoa tenha a oportunidade de ouvir, de compreender e de receber as boas novas. Não podemos esperar atingir esse alvo sem sacrifício. Todos nós estamos chocados com a pobreza de milhões de pessoas, e conturbados pelas injustiças que a provocam. Aqueles dentre nós que vivem em meio à opulência aceitam como obrigação sua desenvolver um estilo de vida simples a fim de contribuir mais generosamente tanto para aliviar os necessitados como para a evangelização deles.
10. Evangelização e Cultura
O desenvolvimento de estratégias para a evangelização mundial requer metodologia nova e criativa. Com a bênção de Deus, o resultado será o surgimento de igrejas profundamente enraizadas em Cristo e estreitamente relacionadas com a cultura local. A cultura deve sempre ser julgada e provada pelas Escrituras. Porque o homem é criatura de Deus, parte de sua cultura é rica em beleza e em bondade; porque ele experimentou a queda, toda a sua cultura está manchada pelo pecado, e parte dela é demoníaca. O evangelho não pressupõe a superioridade de uma cultura sobre a outra, mas avalia todas elas segundo o seu próprio critério de verdade e justiça, e insiste na aceitação de valores morais absolutos, em todas as culturas. As missões muitas vezes têm exportado, juntamente com o evangelho, uma cultura estranha, e as igrejas, por vezes, têm ficado submissas aos ditames de uma determinada cultura, em vez de às Escrituras. Os evangelistas de Cristo têm de, humildemente, procurar esvaziar-se de tudo, exceto de sua autenticidade pessoal, a fim de se tornarem servos dos outros, e as igrejas têm de procurar transformar e enriquecer a cultura; tudo para a glória de Deus.
11. Educação e Liderança
Confessamos que às vezes temos nos empenhado em conseguir o crescimento numérico da igreja em detrimento do espiritual, divorciando a evangelização da edificação dos crentes. Também reconhecemos que algumas de nossas missões têm sido muito remissas em treinar e incentivar líderes nacionais a assumirem suas justas responsabilidades. Contudo, apoiamos integralmente os princípios que regem a formação de uma igreja de fato nacional, e ardentemente desejamos que toda a igreja tenha líderes nacionais que manifestem um estilo cristão de liderança não em termos de domínio, mas de serviço. Reconhecemos que há uma grande necessidade de desenvolver a educação teológica, especialmente para líderes eclesiáticos. Em toda nação e em toda cultura deve haver um eficiente programa de treinamento para pastores e leigos em doutrina, em discipulado, em evangelização, em edificação e em serviço. Este treinamento não deve depender de uma metodologia estereotipada, mas deve se desenvolver a partir de iniciativas locais criativas, de acordo com os padrões bíblicos.
12. Conflito Espiritual
Cremos que estamos empenhados num permanente conflito espiritual com os principados e postestades do mal, que querem destruir a igreja e frustrar sua tarefa de evangelização mundial. Sabemos da necessidade de nos revestirmos da armadura de Deus e combater esta batalha com as armas espirituais da verdade e da oração. Pois percebemos a atividade no nosso inimigo, não somente nas falsas ideologias fora da igreja, mas também dentro dela em falsos evangelhos que torcem as Escrituras e colocam o homem no lugar de Deus. Precisamos tanto de vigilância como de discernimento para salvaguardar o evangelho bíblico. Reconhecemos que nós mesmos não somos imunes à aceitação do mundanismo em nossos atos e ações, ou seja, ao perigo de capitularmos ao secularismo. Por exemplo, embora tendo à nossa disposição pesquisas bem preparadas, valiosas, sobre o crescimento da igreja, tanto no sentido numérico como espiritual, às vezes não as temos utilizado. Por outro lado, por vezes tem acontecido que, na ânsia de conseguir resultados para o evangelho, temos comprometido a nossa mensagem, temos manipulado os nossos ouvintes com técnicas de pressão, e temos estado excessivamente preocupados com as estatísticas, e até mesmo utilizando-as de forma desonesta. Tudo isto é mundano. A igreja deve estar no mundo; o mundo não deve estar na igreja.
13. Liberdade e Perseguição
É dever de toda nação, dever que foi estabelecido por Deus, assegurar condições de paz, de justiça e de liberdade em que a igreja possa obedecer a Deus, servir a Cristo Senhor e pregar o evangelho sem quaisquer interferências. Portanto, oramos pelos líderes das nações e com eles instamos para que garantam a liberdade de pensamento e de consciência, e a liberdade de praticar e propagar a religião, de acordo com a vontade de Deus, e com o que vem expresso na Declaração Universal do Direitos Humanos. Também expressamos nossa profunda preocupação com todos os que têm sido injustamente encarcerados, especialmente com nossos irmãos que estão sofrendo por causa do seu testemunho do Senhor Jesus. Prometemos orar e trabalhar pela libertação deles. Ao mesmo tempo, recusamo-nos a ser intimidados por sua situação. Com a ajuda de Deus, nós também procuraremos nos opor a toda injustiça e permanecer fiéis ao evangelho, seja a que custo for. Nós não nos esquecemos de que Jesus nos previniu de que a perseguição é inevitável.
14. O Poder do Espírito Santo
Cremos no poder do Espírito Santo. O pai enviou o seu Espírito para dar testemunho do seu Filho. Sem o testemunho dele o nosso seria em vão. Convicção de pecado, fé em Cristo, novo nascimento cristão, é tudo obra dele. De mais a mais, o Espírito Santo é um Espírito missionário, de maneira que a evangelização deve surgir espontaneamente numa igreja cheia do Espírito. A igreja que não é missionária contradiz a si mesma e debela o Espírito. A evangelização mundial só se tornará realidade quando o Espírito renovar a igreja na verdade, na sabedoria, na fé, na santidade, no amor e no poder. Portanto, instamos com todos os cristãos para que orem pedindo pela visita do soberano Espírito de Deus, a fim de que o seu fruto todo apareça em todo o seu povo, e que todos os seus dons enriqueçam o corpo de Cristo. Só então a igreja inteira se tornará um instrumento adequado em Suas mãos, para que toda a terra ouça a Sua voz.
15. O Retorno de Cristo
Cremos que Jesus Cristo voltará pessoal e visivelmente, em poder e glória, para consumar a salvação e o juízo. Esta promessa de sua vinda é um estímulo ainda maior à evangelização, pois lembramo-nos de que ele disse que o evangelho deve ser primeiramente pregado a todas as nações. Acreditamos que o período que vai desde a ascensão de Cristo até o seu retorno será preenchido com a missão do povo de Deus, que não pode parar esta obra antes do Fim. Também nos lembramos da sua advertência de que falsos cristos e falsos profetas apareceriam como precursores do Anticristo. Portanto, rejeitamos como sendo apenas um sonho da vaidade humana a idéia de que o homem possa algum dia construir uma utopia na terra. A nossa confiança cristã é a de que Deus aperfeiçoará o seu reino, e aguardamos ansiosamente esse dia, e o novo céu e a nova terra em que a justiça habitará e Deus reinará para sempre. Enquanto isso, rededicamo-nos ao serviço de Cristo e dos homens em alegre submissão à sua autoridade sobre a totalidade de nossas vidas.
CONCLUSÃO
Portanto, à luz desta nossa fé e resolução, firmamos um pacto solene com Deus, bem como uns com os outros, de orar, planejar e trabalhar juntos pela evangelização de todo o mundo. Instamos com outros para que se juntem a nós. Que Deus nos ajude por sua graça e para a sua glória a sermos fiéis a este Pacto! Amém. Aleluia!
[Lausanne, Suíça, 1974]
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
O Palhaço e o Profeta: Uma Indefinição Contemporânea por Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
Quando falamos do conteúdo do Evangelho, devemos definir o significado deste termo. Compreendemos ser o Evangelho o próprio Cristo. Ele é a personificação do Reino; Cristo é o centro para onde tudo converge. O Evangelho é Cristocêntrico, porque sem Cristocentricidade não há “Boa Nova”. Cristo é o autor e o conteúdo do Evangelho. Pregar o evangelho significa pregar a Cristo, bem como tudo aquilo que tem relação com Ele (Rm 15.20), já que sem Cristo não haveria Evangelho (Lc 2.9-11).
Pregar, é anunciar o “Evangelho de Deus” (Mc 1.14); o “Evangelho do Reino” (Mt 4.23; 9.35; 24.14) que é o “Evangelho do Reino de Deus” (Lc 4.43; 8.1; At 8.12) e o “Evangelho do Senhor Jesus” (At 11.20/ At 8.12), que é o “Evangelho de Jesus Cristo” (Mc 1.1/ Rm 15.19; 2 Co 2.12).
O Reino de Deus é o coração da mensagem de Cristo bem como dos apóstolos. O crente, no Antigo Testamento, aguardava a chegada do Reino de Deus que estava associada à figura do Filho do Homem, descrita por Daniel (Dn 7.13-14/Mt 16.27,28; 17.12,22; Lc 9.58; Jo 3.13,14). Jesus Cristo, o Filho do Homem, inaugurou o Reino de Deus; por isso, o Reino está indissoluvelmente ligado à Sua Pessoa. Jesus Cristo, a Sua mensagem e atos incorporam a presença do Reino que chegara. Ele inaugurou o Reino de Deus (Lc 11.20). Orígenes (c. 185-254), corretamente, disse que Jesus Cristo era a ”autobasileia”, o reino em pessoa. Por isso, é que o Novo Testamento nos ensina que Pregar o Reino é o mesmo que pregar a Jesus Cristo: (Mt 19.29/Mc 10.29-30/Lc 18.29/At 8.12; 28.31).
Deste modo insistimos neste ponto , evangelizar significa, pregar o Reino e Senhorio de Jesus. Por isso, é que “o Reino de Deus é o tema central da pregação de Jesus e, por extensão, da pregação e ensino dos apóstolos.” (At 20.25,27).
Este Evangelho também é chamado de “Palavra da verdade” (Cl 1.5; Ef 1.13); “Evangelho da salvação” (Ef 1.13); “Evangelho das insondáveis riquezas de Cristo” (Ef 3.8); “Evangelho da promessa” (At 13.32); Evangelho da esperança (Cl 1.23); “Evangelho da paz” (Ef 6.15).
Portanto, quando evangelizamos, devemos ter em mente o sentido do que estamos proclamando. Não estamos simplesmente vendendo um produto que talvez nem nós mesmos o comprássemos ou, quem sabe, divulgando uma idéia de forma descompromissada, não; evangelizar é proclamar o Reino de Deus e, o Reino de Deus é o Reinado de Cristo, onde se evidencia o triunfo da Sua justiça, do Seu governo e da Sua Lei. Deste modo, a pregação da Igreja deverá ser caracterizada sempre pelo senso de urgência, conclamando os homens ao arrependimento e fé em Jesus Cristo, o Rei Eterno. A Igreja não é o Reino mas, é através dela que o Reino se revela e se efetiva; por isso, ambos são inseparáveis.
Olhando a “Evangelização” ensinada e praticada no Novo Testamento, podemos perceber que ela era muito mais abrangente do que hoje normalmente costumamos pensar. O que tem acontecido é que muitas vezes temos esquecido a mensagem; temos corrido tanto, temos falado tanto, temos discutido tanto que, de repente, descobrimos que a mensagem foi esquecida. Distanciamo-nos do seu significado, perdemos a dimensão de sua urgência, relevância e eficácia. Estamos ainda usando o verbo “evangelizar”, todavia ele já não diz grande coisa, porque as letras “E-V-A-N-G-E-L-H-O”, têm nos dias atuais pouco a ver com o significado bíblico desta palavra. O Evangelho tem sido muitas vezes apenas mais um “slogan cristão”, que as pessoas não conseguem entender o seu significado.
Kierkegaard (1813-1855) conta uma parábola que pode servir como ilustração para o que queremos dizer. Ele conta que um circo se instalou próximo de uma cidadezinha dinamarquesa. Este circo pegou fogo. O proprietário do circo vendo o perigo do fogo se alastrar e atingir a cidade, mandou o palhaço, que já estava vestido a caráter, pedir ajuda naquela cidade a fim de apagar o fogo, falando do perigo iminente. Inútil foi todo o esforço do palhaço para convencer os seus ouvintes. Os aldeões riam e aplaudiam o palhaço entendendo ser esta uma brilhante estratégia para fazê-los participar do espetáculo... Quanto mais o palhaço falava, gritava e chorava, insistindo em seu apelo, mais o povo ria e aplaudia... O fogo se propagou pelo campo seco, atingiu a cidade e esta foi destruída.
De forma semelhante, temos nós, muitas vezes, apresentado uma mensagem incompreensível aos nossos ouvintes, talvez porque ela também seja incompreensível a nós. As pessoas se acostumaram a nos ouvir brincar tanto com as coisas sagradas, que não conseguem descobrir o sagrado em nossas brincadeiras. Subimos ao púlpito e pensamos que estamos no picadeiro. Por outro lado, nossos ouvintes, por não perceberem a diferença entre o palhaço e profeta, reforçam este comportamento mutante através de um aplauso até mesmo literal. Deste modo, a profecia (pregação) torna-se motivo de simples gostar ou não gostar e o circo perde um de seus talentosos componentes. Assim, sem nos darmos conta, estamos compactuando com a indiferença de nossos ouvintes, que, de certa forma, estão “cansados” da palavra “Evangelho”, sem que na realidade, nunca tenham sido ensinados a respeito do Evangelho de Cristo. A avaliação da mensagem pregada fica restrita ao gostar ou não do ouvinte. Se gostei foi boa, se não, é ruim. Criamos uma categoria arbitrária do que de fato é verdadeiro ou não a partir do gosto, como se este também não fosse afetado pelas conseqüências do pecado. Na realidade, o gostar ou não deve estar subordinado ao exame das Escrituras (At 17.11). Procedendo assim, descobriremos, para surpresa nossa, o quão o nosso gosto pode ser pecaminoso e inconseqüente.
O Evangelho é uma mensagem acerca de Deus da Sua Glória e de Seus atos salvadores ,acerca do homem do seu pecado e miséria, acerca da salvação e da condenação condicionada à submissão ou não a Cristo como Senhor de sua vida. Esta mensagem que envolve uma decisão na História, ultrapassa a História, visto ter valor eterno. Portanto, não podemos brincar com ela, não podemos fazer testes: estamos falando de vida e morte eternas (Jo 3.16-18).
Parece-me correto o comentário de Vincent quando diz que “A demanda gera o suprimento. Os ouvintes convidam e moldam os seus próprios pregadores. Se as pessoas desejam um bezerro para adorar, o ministro que fabrica bezerros logo é encontrado.” É preciso atenção redobrada para não cairmos nesta armadilha já que não é difícil confundir os efeitos de uma mensagem com o conteúdo do que anunciamos: a pregação deve ser avaliada pelo seu conteúdo; não pelos seus supostos resultados. Esse assunto está ligado à vertente relacionada ao crescimento de igreja. Iain Murray está correto ao afirmar: “O crescimento espiritual na graça de Cristo vem em primeiro lugar. Onde esse crescimento é menosprezado em troca da busca de resultados, pode haver sucesso, mas será de pouca duração e, no final, diminuirá a eficácia genuína da Igreja. A dependência de número de membros ou a preocupação com números, freqüentemente tem se confirmado como uma armadilha para a igreja.”
Devemos nos lembrar de que o pregador não “compartilha” opiniões nem dá suas “opiniões” sobre o texto bíblico, nem faz uma paráfrase irreverente do texto, antes, ele prega a Palavra. O seu objetivo é expressar o que Deus disse através de Seus servos. Pregar é explicar e aplicar a Palavra aos nossos ouvintes. O aval de Deus não é sobre nossas teorias e escolhas, muito menos sobre a “graça” de nossas piadas, mas sobre a Sua Palavra. Portanto, o pregador prega o texto, de onde provém a verdade de Deus para o Seu povo.
O púlpito não é o lugar para se exercitar as opiniões pessoais e subjetivas mas sim, para pregar a Palavra, anunciando todo o desígnio de Deus, sob a iluminação do Espírito. Alexander R. Vinet (1797-1847) definiu bem a pregação, ao dizer ser ela “a explicação da Palavra de Deus, a exposição das verdades cristãs, e a aplicação dessas verdades ao nosso rebanho.” Sem a Palavra, o púlpito torna-se um lugar que no máximo serve como terapia para aliviar as tensões de um auditório cansado e ansioso em busca de alívio para as suas necessidades mais imediatamente percebidas. Ele pode conseguir o alívio do sintoma, mas não a cura para as suas reais necessidades.
Albert Martin, apresenta uma crítica pertinente; ele diz:
“O esforço desnatural de certos pregadores para serem 'contadores de piadas', entre a nossa gente, constitui uma tendência que precisa acabar. A transição de um palhaço para um profeta, é uma metamorfose extremamente difícil.”
Em forma de esboço, podemos observar, que “Evangelizar” nos moldes do Novo Testamento, significa Proclamar:
a) As insondáveis riquezas de Cristo: (Ef 3.8). O Evangelho é glorioso porque revela a Gloriosa perfeição de Deus: O Seu amor, bondade, misericórdia, justiça e fidelidade. Evangelizar significa proclamar as perfeições de Deus. A Glória de Deus é a beleza harmoniosa de Suas perfeições e da Sua obra salvadora.
b) A Glória de Deus e de Cristo: (2Co 4.4; 1Tm 1.11). A glória de Deus é totalmente invisível a nós, até que resplandeça em Cristo. “A glória de duas naturezas de Cristo numa única pessoa é tão grande que o mundo incrédulo não pode ver a luz e a beleza que irradiam dela.” O Evangelho consiste no anúncio da grandeza e majestade de Deus e como podemos conhecê-Lo em Cristo Jesus. “Evangelismo sempre requer a pregação dos atributos de Deus (...) A exaltação do caráter de Deus, é essencial para que Deus possa ser honrado em nossa pregação.”
c) A Palavra do Senhor: Paulo e Barnabé permaneceram em Antioquia “ensinando e pregando [evangelizando] com muitos outros, a palavra do Senhor” (At 15.35). Evangelizar significa pregar a Palavra de Deus, não as nossas opiniões, as nossas preferências; não podemos adulterar a Palavra de Deus (2Co 4.2). A evangelização consiste na exposição da Palavra de Deus e na Sua aplicação às necessidades contemporâneas de nossos ouvintes.
d) A Morte Expiatória de Cristo: (1Co 15.1,3) O Evangelho é o anúncio da morte de Cristo, o Deus encarnado, que deu a Sua vida para salvar o Seu povo. A sua expiação foi completa, tendo um valor infinito. Não existe Evangelho sem a cruz de Cristo. A cruz não foi um acidente, foi o desfecho da obra eterna de Deus (1Pe 1.18-20; Ap 13.8/At 2.22-24; 4.27-28; Gl 1. 3-4).
e) Jesus e a Ressurreição: Paulo em Atenas, “pregava (evangelizava tendo como conteúdo) a Jesus e a ressurreição” (At 17.18). A ressurreição era a tônica de toda mensagem apostólica; sem a ressurreição de Cristo não haveria pregação, nem fé, nem esperança. No livro de Atos, não encontramos nenhum sermão em que a ressurreição não fizesse parte da proclamação. (At 8.5; Rm 10.8-10; 1Co 15.1,3,4,12; 2Tm 2.8).
f) Todo o Desígnio de Deus: Em Mileto, Paulo quando se despede dos presbíteros de Éfeso, diz que durante o seu ministério de três anos entre eles, jamais deixou de “anunciar todo o desígnio de Deus” (At 20.27). O Evangelho não consiste no anúncio de “algumas partes” da Bíblia, mas sim de todo o “Conselho” de Deus revelado nas Escrituras. (Vd. Gl 1.8,9,11). O conteúdo da mensagem cristã deve ser nada mais, nada menos do que toda a vontade revelada de Deus (Vd. Dt 29.29).
g) O Reto Juízo de Deus através de Cristo: Pedro quando vai a Cesaréia pregar ao centurião Cornélio, durante a sua exposição, diz que Jesus, depois da ressurreição, “nos mandou pregar ao povo e testificar que ele é quem foi constituído por Deus Juiz de vivos e de mortos” (At 10.42). Paulo, pregando em Atenas (At 17.18), no Areópago, declara que Deus “estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça por meio de um varão que destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos” (At 17.31). Da mesma forma, Lucas registra que diante de Félix, Paulo falando a respeito da fé em Cristo, dissertava “acerca da justiça, do domínio próprio e do juízo vindouro” (At 24.25).
Paulo declara que o juízo de Deus se manifestaria conforme o Evangelho por ele anunciado, indicando assim, que o anúncio do Evangelho engloba a declaração do justo juízo de Deus (Cf. Rm 2.16/1.17).
h) O Senhorio de Cristo: A mensagem cristã consiste no anúncio do reinado soberano de Cristo, convocando os homens ao arrependimento e dedicação total e exclusiva ao Senhor.
Pedro na casa de Cornélio, diz: “Esta é a palavra que Deus enviou aos filhos de Israel, anunciando-lhes o evangelho da paz, por meio de Jesus Cristo. Este é o Senhor de todos” (At 10.36).
Lucas relata que entre aqueles que “foram dispersos, por causa da tribulação que sobreveio a Estevão” (At 11.19), alguns foram até Antioquia, pregando também aos gregos, “anunciando-lhes o evangelho do Senhor Jesus” (At 11.20).
Paulo lembra aos coríntios o conteúdo da sua mensagem: “Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor....” (2Co 4.5).
De igual modo, o mesmo apóstolo declara que a nossa salvação está condicionada à confissão sincera de Cristo como Senhor, indicando aos romanos, que o Senhorio de Cristo fazia parte da “palavra da fé” pregada (Rm 10.8-10).
i) A Graça de Deus: Paulo, demonstrando saber que lhe aguardavam cadeias e tribulações, por causa do Evangelho, diz aos presbíteros de Éfeso: “Porém, em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus” (At 20.24).
A Graça é o favor imerecido, manifestado livre e soberanamente por Deus aos pecadores que se encontravam num estado de depravação e miséria espirituais, merecendo o justo castigo pelos seus pecados. (Rm 4.4/11.6; Ef 2.8-9).
O Evangelho é da graça porque nele encontramos o favor imerecido de Deus para com o homem para com cada um de nós, que merecia a condenação eterna. O Evangelho é a boa nova que consiste na declaração de Deus, de que há perdão para todos os nossos pecados em Cristo Jesus; que Ele nos tira da condição de “réus”, e nos transporta “para o reino do Filho do seu amor” (Cl 1.13), tornando-nos seus filhos e herdeiros (Rm 8.12-17/Jo 1.12; Gl 3.26).
Jesus Cristo é a graça encarnada. Ele encarna a Graça e a Verdade (Jo 1.17; 14.6) , o Evangelho é a graça verbalizada. É através do Evangelho que Deus transmite a Sua Palavra de Graça (At 14.3; 20.24). “O Evangelho é o divulgador da graça”. A graça nos é ensinada pelo Evangelho (Cl 1.4-6); por isso, pregar o Evangelho é um “favor” de Deus (Ef 3.8).
j) A Preservação de Deus: (Rm 16.25). O Evangelho é uma mensagem de perseverança por Deus. Deus pelo Seu poder nos confirma em santidade até o dia final (Jo 10.28-29; Fp 1.6; 2Ts 3.3; 1Pe 1.5; Jd 24-25). A mensagem do Evangelho é um desafio aos homens depositarem a sua fé exclusivamente em Deus, como o Autor e Consumador da Salvação. Calvino (1509-1564), comentando o texto de Rm 16.25, diz que Paulo ensina aqui a perseverança final. Continua: “E para provocar neles (os romanos) esta profunda certeza e levá-los a buscarem refúgio no poder divino, adiciona que tudo isso foi testificado no evangelho, o qual não só nos apresenta uma promessa de uma paz prevalecente aqui e agora, mas também nos assegura que esta graça durará para sempre. Deus declara no evangelho que Ele é nosso Pai não somente aqui e agora, mas nos continuará sendo eternamente. De fato, sua adoção se estende para além da morte, pois que está nos conduzindo para aquela herança eterna.”
Evangelizar é declarar o poder de Deus, que transforma os homens, unindo-os a Ele, preservando-os até o fim.
Conclusão:
Imaginem um jovem entre centenas de outros, ansiosamente procurando seu nome nas listas afixadas nas paredes na universidade a fim de saber se foi aprovado ou não no vestibular. De repente, surge um amigo com um sorriso largo e com os braços abertos, dizendo: “parabéns, você foi aprovado”. O jovem dá-lhe um abraço apertado, pula, grita, ri, chora, comemora... Depois de alguns minutos de euforia, aquele “amigo” diz: “É brincadeira; seu nome não consta entre os aprovados”. Se você fosse aquele vestibulando, como reagiria? Pense nisto: Se você corretamente não admite brincadeiras com coisas sérias, o Evangelho, que envolve vida e morte eternas seria passível de brincadeiras, de gracejos? A pregação é assunto para profeta, não para palhaço; o púlpito não é picadeiro. Pense nisso. Que Deus o abençoe.
Sobre o autor: Bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul; Licenciado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Licenciado em Pedagogia pela Universidade Mackenzie; Pós-graduação: Estudo de Problemas Brasileiros pela Universidade Mackenzie; Pós graduação: Didática do Ensino Superior pela Universidade Mackenzie; Mestrando em História da Igreja pelo Centro Presbiteriano de Pós-graduação A. A. Jumper. Doutorando em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo.
O DEUS TRIÚNO – NOSSO CONFORTO
O Texto abaixo faz parte de uma iniciativa do pastor Gaspar de Souza para os boletins da Igreja Presbiteriana dos Guararapes. Como fizemos nos últimos anos com o Breve Catecismo de Westminster, comentando, adaptando comentário ou transcrevendo comentários, agora faremos o mesmo com o Catecismo de Heidelberg.
Este Catecismo é considerado um dos mais robustos e firmes documentos teológicos da Reforma Protestante, possuindo uma síntese da Fé Cristã e uma forte expressão calvinista.
Numa época de superficialidade bíblica, com inovações doutrinárias e litúrgicas, de ignorância da fé cristã histórica - motivo por que tantas bobagens têm acontecido no meio evangélico - o resgate e o aprendizado do Catecismo se faz fundamental como guia para estudo sério e aprofundado das Escrituras, bem como preparação dos "novos convertidos" e reciclagem dos "antigos convertidos".
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DOMINGO 1 - Pergunta 1. Qual é o seu único conforto, na vida e na morte?
Resposta: O meu único conforto é meu fiel Salvador Jesus Cristo (1Co 3:23; Tt 2:14). A Ele pertenço, em corpo e alma, na vida e na morte (Rm 14:8; 1Ts 5:9,10.) , e não pertenço a mim mesmo (1Co 6:19,20). Com seu precioso sangue Ele pagou (1Pe 1:18,19; 1Jo 1:7; 1Jo 2:2,12) por todos os meus pecados e me libertou de todo o domínio do diabo (Jo 8:34-36; Hb 2:14,15; 1Jo 3:8). Agora Ele me protege de tal maneira (Jo 6:39; Jo 10:27-30; 2Ts 3:3; 1Pe 1:5) que, sem a vontade do meu Pai do céu, não perderei nem um fio de cabelo (Mt 10:29,30; Lc 21:18). Além disto, tudo coopera para o meu bem (Rm 8:28.). Por isso, pelo Espírito Santo, Ele também me garante a vida eterna (Rm 8:16; 2Co 1:22; 2Co 5:5; Ef 1:13,14) e me torna disposto a viver para Ele, daqui em diante, de todo o coração (Rm 8:14; 1Jo 3:3).
Breve Comentário
Nesta primeira pergunta do Catecismo de Heidelberg têm-se proposições sobre a vida Cristã que são completamente esquecidas hoje. Diferente de outros Catecismos, o de Heidelberg inicia com a segurança do fiel no mundo caído. Algumas ideias subjazem esta pergunta:
1) Somos propriedades de Deus nesta vida e na eternidade. Não pertencemos a nós mesmos. Com isto estamos afirmando que o Ser Humano possui valor por ser obra de Deus. Não há nada no Ser Humano – corpo, alma, vida e morte – que esteja sob o domínio do Homem. Para o Cristão o fator se estende para a obra sacrificial de Jesus Cristo. Eles foram comprados pelo sangue de Jesus Cristo, tendo todos os seus pecados perdoados e não mais sujeitos ao domínio do Diabo.
2) Que mesmo pertencendo a Jesus Cristo, o Cristão não está livre das tribulações desta vida. Antes, mesmo em um mundo caótico, Jesus Cristo protege os seus que, sem a vontade do Pai Celestial, nenhum cabelo dos eleitos cairá. Então perceba que a primeira parte da pergunta consolida a segunda e terceira partes: por pertencermos a Jesus Cristo, temos sua proteção; que se um “fio de cabelo” nosso cai é porque isto cooperará para o meu bem. Isto nos leva a:
3) tudo coopera para o bem daqueles que pertencem a Deus. Quando Paulo recebeu um espinho na carne, um mensageiro de satanás para o esbofetear, o objetivo era para que Paulo não ficasse orgulho pelas visões que teve. Quando Paulo esteve preso em Roma, ele disse: “E quero, irmãos, que saibais as coisas que me aconteceram contribuíram para maior proveito do evangelho; de maneira que as minhas prisões em Cristo foram manifestas por toda a guarda pretoriana, e por todos os demais lugares; e muitos dos irmãos no Senhor, tomando ânimo com as minhas prisões, ousam falar a palavra mais confiadamente, sem temor”(Fil. 1. 12 – 14). Veja que as prisões de Paulo redundaram em benefício para a proclamação do Evangelho salvando os Eleitos da casa de César (Cf. Fil. 4. 22).
4) Como sinal deste conforto, Jesus Cristo nos deu o seu Espírito Santo como garantia de suas promessas, principalmente a promessa da vida eterna. Também o Espírito Santo nos capacita a viver de modo santo, nos dispondo a amar ao Senhor com todo o nosso ser.
Se você notar, a primeira pergunta do Catecismo de Heidelberg possui uma resposta Trinitária. Não há nada na resposta que sugira que são os Eleitos que têm poder sobre si mesmos. Antes, desde a vida, existência e até a morte entrando na eternidade, é o Deus Triúno quem começa e termina a boa obra na vida dos Eleitos. O Pai, Filho e Espírito Santo operam juntos para garantir uma jornada esperançosa para cada eleito até o dia em que Ele nos tomará para si mesmo. Você quer mais consolo do que este?
Postado por Gaspar de Souza